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27 July 2024

“Valorização” de caminhões de lixo gera prejuízo milionário a DF

As irregularidades na coleta de lixo no DF extrapolaram os sucessivos contratos emergenciais entre governo e empresas responsáveis pelo serviço. Agora, envolvem até mesmo os documentos firmados por meio de licitação. Relatório de inspeção da Controladoria-Geral do Distrito Federal (CGDF) ao qual o Metrópoles teve acesso com exclusividade aponta prejuízo aos cofres públicos de R$ 64 milhões devido a falhas nos processos de escolha das companhias responsáveis pela limpeza urbana da capital.

Desse valor, R$ 50,7 milhões se referem a uma situação curiosa: mesmo diante da depreciação de caminhões de lixo e miniônibus usados ao longo dos anos, a empresa Sustentare alegou que esses automóveis tiveram valorização em 2013, 2014 e 2015. Segundo a CGDF, há indícios de reajuste indevido no valor venal dos veículos.

Foram analisados os acertos com as empresas Sustentare e Valor Ambiental no período de vigência de 2012 a 2017, totalizando cinco anos e quatro meses de prestação de serviços. Uma das conclusões da CDGF ao alegar que os cofres públicos foram lesados é a inclusão do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL) na formação de preços – o que não é permitido, de acordo com entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU).

Outra observação da controladoria diz respeito à repactuação dos valores, incluindo reajustes salariais de funcionários das empresas muito maiores do que os previstos ou praticados pelo mercado. Em um dos casos, um gerente chegou a ter a remuneração aumentada em 86%.

Também são alvo de questionamentos os valores do tíquete-alimentação e do auxílio-creche. No detalhamento do relatório, a CGDF explicita ter avisado o SLU por diversas vezes dos problemas contratuais. Porém, eles não foram sanados. O documento vai embasar uma representação a ser encaminhada ao Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF), com pedido de tomada de contas especial (TCE) a fim de apurar os prejuízos e responsabilizar os agentes públicos.
A inspeção realizada no Serviço de Limpeza Urbana (SLU) ocorreu no âmbito de três processos. Dois deles, da Sustentare, referem-se a contratos que somam R$ 1,665 bilhão. Outro, da Valor Ambiental, é de um contrato de R$ 337,9 milhões.

 

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Essas empresas assumiram o lugar da Delta Constrições S/A, que venceu os lotes 1 e 3, porém, por decisão judicial de 2012, foi inabilitada. No entanto, quando a CGDF analisou as planilhas de custos da Sustentare e da Valor Ambiental para a coleta de lixo, observou que lá estavam incluídos custos de 25% de IRPJ e 9% de CSLL na composição do preço do serviço.

“Já está pacificado no Tribunal de Contas da União que esses tributos não podem fazer parte da formação das despesas indiretas da empresa contratada”, diz a análise da controladoria.

Conforme o argumento do TCU, o pagamento dessas taxas pelo contratante seria o mesmo que a “administração pagar imposto ou contribuição que incide sobre o resultado da empresa”. Como esse entendimento é de 2010, só vale para os contratos firmados em 2012 das duas empresas. Nesses casos, os prejuízos apurados foram de R$ 14,1 milhões.

Repactuações anuais com reajuste maior
Ainda sobre os contratos de 2012, são apontadas falhas graves. Segundo a auditoria, ocorreram repactuações anuais com reajustes maiores do que o previsto em contrato e muito superiores ao mercado.

No aditivo de 2012/2014, embora a Convenção Coletiva de Trabalho tenha previsto reajuste salarial de 8%, a Sustentare teria aplicado 86%, no caso de gerente administrativo, e 67% para um coordenador administrativo. Além disso, não seguiu a determinação de aumentar o auxílio-alimentação em R$ 50. O benefício, que girava em torno de R$ 200, passou, em alguns cargos, para R$ 289,68. Em outros, para R$ 659,82.

“Essa irregularidade se perpetuou por todos os demais aditivos assinados em que houve repactuação de preço de mão de obra”, complementa a análise da CGDF, acrescentando que situação semelhante envolveu o auxílio-creche.

O outro lado
O Serviço de Limpeza Urbana afirmou, por meio de nota, que os contratos foram assinados em 2010, portanto em data anterior ao entendimento do TCU, proibindo a inclusão de tributos na formação de preços. “Eles já foram encerrados e, conforme recomendação da Controladoria-Geral do Distrito Federal, o SLU irá instaurar uma tomada de contas especial para apurar o eventual prejuízo causado ao erário”, disse.

No entanto, segundo a controladoria, os dois contratos com maior número de problemas foram firmados em 2012 e terminaram em 2017.

A advogada da Sustentare, Vera Carla Silveira, disse que nem a defesa nem a empresa tiveram acesso ao relatório da Controladoria-Geral e que “só irá se manifestar após conhecer o conteúdo do documento”.

O Metrópoles entrou em contato com a Valor Ambiental por meio dos telefones disponibilizados nos sites. Porém, a telefonista informou que faria a transferência para os setores responsáveis, mas em todas as tentativas as ligações não foram completadas. A reportagem não conseguiu localizar os advogados da companhia.

Problemas nos contratos emergenciais
Outras irregularidades envolvem os contratos da coleta de lixo no Distrito Federal. Em setembro de 2018, o TCDF manteve suspenso o Pregão Eletrônico 2/2017 do SLU para a contratação de coleta de lixo, varrição de ruas e pintura de meios-fios, entre outros serviços, no valor de R$ 1.518.224.763,03.

De acordo com a Corte, mesmo após os pedidos de revisão do processo, ainda era possível encontrar irregularidades e dúvidas na documentação.

O Tribunal pontuou, por exemplo, que a divisão do serviço em apenas três lotes restringia o caráter competitivo do certame e “aumentava o impacto de eventual desatendimento decorrente de problemas com uma das contratadas”.

No mesmo ano, o SLU tentou colocar na praça outra licitação com praticamente o mesmo texto, mas com valor de R$ 1,9 bilhão. O lançamento do processo licitatório ocorreu nove meses após o Governo do Distrito Federal (GDF) aderir a dois contratos emergenciais que totalizaram R$ 266,5 milhões até novembro de 2018. Aquela foi a terceira tentativa de se colocar um edital na praça e, mais uma vez, questionada pelo TCDF.

O governo buscou mudar pontos considerados irregulares do certame. Obteve a liberação do TCDF, mas novas dúvidas surgiram. Com isso, o processo foi novamente paralisado pelos conselheiros.

Questionamentos
Mesmo com os contratos emergenciais, os questionamentos continuaram. No primeiro acordo, de seis meses, duas empresas se apresentaram para prestar o serviço: a Sustentare e a Cavo Serviços e Saneamento S/A – controlada pela holding Estre Ambiental S/A.

A Cavo foi considerada apta a participar do processo, mas, em seguida, restou inabilitada pelo SLU, mesmo apresentando o menor preço. Assim, a Sustentare se manteve à frente dos serviços de limpeza urbana, coleta, remoção e transporte de resíduos sólidos domiciliares, além da operação e manutenção da Usina de Tratamento Mecânico Biológico da Asa Sul (UTMB – Asa Sul).

Desclassificada, a Cavo recorreu da decisão do Serviço de Limpeza Urbana. Logo depois, a Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público e Social (Prodep) ajuizou ação civil pública por irregularidades no processo de contratação emergencial, feito em outubro de 2017.

Atualmente, o processo licitatório, de R$ 1,9 bilhão, ainda está em curso. O governo pretende, nos próximos meses, firmar acordo pelos próximos cinco anos.